domingo, 3 de maio de 2015

Os hemisférios cerebrais e o desenho

           Quando o cérebro da criança pequena está em desenvolvimento, os dois hemisférios de seu cérebro não são especializados para exercer funções diferentes (EDWARDS, 2000). 
         A consolidação destas funções vão se processando gradualmente, através da aquisição de aptidões linguísticas e simbólicas, como arte infantil.
           Ao atingir, mais ou menos, os 10 anos, a criança está com esta lateralização mais definida, porém usa o lado esquerdo do cérebro para executar uma função que deveria ser do lado direito, ou seja, desenhar, uma vez que o esquerdo é o lado dominante, pois é ele que realiza as atividades da razão e da fala.
            Quando criança, o indivíduo pequeno vê-se em uma crise artística, entre suas percepções do mundo e seu nível de aptidão. Além disto, o adulto geralmente influencia a crítica infantil, ou elogiando aquilo que a própria criança sabe que não corresponde às suas necessidades artísticas, ou desincentivando-a a continuar sua empreitada de rabiscos, tornando-a frustrada.
            Em geral,  criança culpa seu desenho pela sua frustração e não o adulto, crítico e irresponsável. Isto leva a criança a deixar de desenhar e, quando ela também se torna um adulto, ao ser convidada a fazer um desenho, sente-se ridícula ao terminá-lo.
              Assim, a maioria das crianças torna-se muito crítica de si mesmas e raramente voltam a desenhar quando adultos, a não ser por um interesse próprio, pessoal ou profissional e, para isto, precisam buscar cursos que os levem ao prazer de suas necessidades artísticas.
              Por volta de um ano e meio, quando pega um lápis e rabisca um papel, a criança sente um prazer enorme em ver sua marca deixada ali, não importando à ela o que isto representa simbolicamente, mas sim física e emocionalmente. 
              Os movimentos circulares das mãos (usam as duas, sem a preocupação de direito e esquerdo) provavelmente advém dos movimentos realizados pelos braços, ombros, punhos, mãos, dedos, em um conjunto único, uma vez que estes movimentos são os mais naturais ao ser humano.
              Com seu desenvolvimento ainda em processo, a criança começa a perceber que aquilo que ela "rabisca" ou marca no plano representa algo, como o pai, a mãe, o  cachorro,  o carro, tudo em uma mesma marca.
               Neste momento, ela começa a apresentar mais as figuras "humanas", ou seja, círculos com olhos enormes, boca, braços e pernas,que podem sair da cabeça,  esquecendo-se das orelhas e cabelos, que, para ela, são apenas apêndices da figura. Estas ainda podem ser uma pessoa ou um animal, sem muita distinção.
               Por volta dos quatro anos, ela começa a ter mais consciência dos detalhes do real, como roupas com botões, sapatos, laços, flores, pássaros, etc. pois seu mundo visual já está muito mais expandido. Desenham repetidas vezes a mesma imagem, para memorizar os detalhes e acrescentar novos.
               Para elas, neta fase, o desenho conta histórias e resolvem problemas, principalmente familiares. O pai pode estar representado muito grande perto da mãe, que é aquela que fica em casa e a tudo se dedica, sem muita valorização. A irmã que a instiga o tempo todo pode estar representada bem pequena ou muito grande, conforme o sentimento que a criança nutre por ela.
               Mais tarde, entre os seis e sete anos, suas paisagens são ricas em coisas que são muito importantes para ela, como a casa, o céu, as árvores, animais preferidos e começam a usar a cor para representar a realidade, assim a grama é verde,  o sol é amarelo e o céu é azul.
               A casa desenhada pode ter janelas com cortinas, número na porta, maçaneta, jardim, pássaros, flores e, mesmo morando em um lugar em que as chaminés não são comuns, elas aparecem quase sempre nos desenhos das casas.
               A partir desta fase, as crianças maiores, já mais adolescentes, passam a buscar mais a realidade, acrescentando muitos detalhes, ressaltando a aparência das coisas, demonstrando maior complexidade, porém, também, parecem regredir um pouco na segurança que outrora tinham ao desenhar.
               Começam a surgir as diferenças sexuais: meninos desenham super heróis, carros, armas, meninas desenham príncipes e princesas, flores, etc. 
                Quando chega a fase do realismo, o adolescente já está tão imbuído do mundo  que o cerca, que ele não mais admite executar o que chama "desenhos de bebê". Tudo o que ele fez até agora lhe parece um verdadeiro absurdo, uma vez que o mundo adulto o impele a fazer coisas produtivas, que o levem a um sucesso social.
                Voltando a falar dos hemisférios do cérebro, ou seja, os lado direito e esquerdo, o conflito aparece entre ambos, pois o esquerdo, como já foi dito, dominante, não admite as viagens imaginativas do lado direito e os símbolos convencionais são muito mais fortes do que a visão pode enxergar.
                 Então, se  o indivíduo quer desenhar, por exemplo uma cadeira ou um vaso com formas distorcidas, o lado esquerdo, racional lhe diz que não pode, pois uma cadeira e um vaso têm uma forma definida socialmente. Assim, o desenhista acaba transformando palavras e ideias pré concebidas em imagens, sem perceber realmente o que tem diante de si.
                 Seria precisa que o desenhista, observador do que o rodeia, olhasse com os olhos da emoção e não da razão aquilo que vê, deixasse o lado direito do cérebro levá-lo em uma viagem com as asas da imaginação, colocando de lado o que exatamente correto ou incorreto, usasse o lápis com a mão livre da alma e da paixão.  
                 

VALÉRIA KOURY 
2015
texto baseado em leitura de "Desenhando com o lado direito do cérebro"
                                              EDWARDS, Betty. Ediouro, RJ. 2000
               

Sun, Desenho De Crianças, Imagem